quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Estar

Ao longo da história do cristianismo, a música sempre refletiu a teologia do seu tempo. Nos tempos do cristianismo bélico da reforma, um belo hino que se cantava tinha essa piedosa estrofe:

"Somos os poucos eleitos do Senhor
Que todos os outros sejam condenados
Há espaço suficiente para você no inferno
Não queremos um céu abarrotado"

Estrofe de um hino batista calvinista
[Timothy George - Teologia dos Reformadores - 1994 - pg 231]


Hoje em dia, se você entrar em uma livraria evangélica e dedicar uma pequena fatia do seu precioso tempo para escutar os CDs mais vendidos (peça ao vendedor que os indique), poderá perceber, não sei se rindo ou chorando, o que está rolando por aí.

Até mesmo boas músicas são, graças ao imaginário popular, alvo de interpretações negativas. Um bom exemplo é a frase de uma interessante canção que diz: “meu maior desejo é estar onde Jesus está”. A frase tem seu valor. Pode sim, ser encarada com nobreza. O problema está na definição e conotação. No imaginário popular cristão, estar onde Jesus está é "estar na igreja", no encontro, na campanha, no mover, na visão. O símbolo maior da presença do Cristo ressurreto é o torpor do corpo que vibra em um êxtase de emoções descontroladas, no meio das músicas/mantras cristãos que alimentam a congregação.

Mas esse dificilmente seria um lugar onde Cristo estaria. Pelo menos não parece o tipo de lugar que ele freqüentou em carne e osso.

Na verdade, a proposta de Jesus foi outra. Ele não queria que nós estivéssemos onde ele está, mas que ele estivesse onde nós estamos. Pode parecer uma diferença sutil, mas não é. É absolutamente essencial. Porque, afinal de contas, nós fazemos nossos amigos e inimigos, mas foi Deus quem fez nosso vizinho. E é ali, com nosso vizinho, com quem está do nosso lado a cada momento, a cada instante, que Jesus deve estar presente e fazer a diferença.

Está todo mundo careca de saber que o lugar predileto de Jesus era entre os fracos, pobres, cansados, pequeninos. Ele declara ousadamente que é entre esses que nós deveríamos estar, como tão bem observou aquela andarilha das mercês.

Mas nós queremos mesmo é a glória.


Publicado originalmente no blog A TRILHA.

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